sexta-feira, 14 de maio de 2010

Efeito Dominó

Redução de jornada de trabalho acirra a disputa por argumentos

Desde que o Laboratório Buenos Ayres implantou voluntariamente a PEC 231/95, o supervisor, Marcel Mielke Forato, chega em casa no horário que deveria sair do trabalho. No começo o farmacêutico ficou receoso pensando que o benefício poderia atropelar o serviço, mas após o primeiro mês de teste aprovou a mudança. A esposa dele também. “Faz a diferença porque não pego mais o horário de pico no trânsito e faço a viagem com tranquilidade. Minha esposa que gostou”, conta. A medida que reduz a jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais foi tomada pela empresa de manipulação de medicamentos, de São Paulo, SP, em março, mas vinha sendo idealizada desde setembro de 2009.
O presidente do laboratório, Sérgio Marques, explica que, na época, faltavam fechar algumas arestas: “nenhum empresário pode ter perda, ninguém tem gordura para queimar. Nós estamos no mercado há 64 anos e a competitividade está cada vez maior. Queria me certificar do comprometimento do outro lado, dos funcionários”. No início do ano Marques convocou uma reunião com os supervisores de setor para ouvir sugestões. Eles gostaram da ideia e acataram o desafio de estimular a equipe, compensando o ‘tempo perdido’ em produtividade. E o resultado apareceu. Marques pontua a diminuição de faltas, a valorização do emprego – diminuindo a rotatividade de funcionários –, o empenho do grupo, a melhor administração do tempo e o ambiente de trabalho mais sadio como conquistas efetivas.
Ele é taxativo ao afirmar que o maior benefício foi o equilíbrio entre trabalho e qualidade de vida. Principalmente porque a Buenos Ayres tem em seu quadro de funcionários, que soma 600 colaboradores, familiares de até três gerações. “Não foi uma chama que acendeu e apagou. Eles conseguem fazer o mesmo trabalho que faziam antes para garantir a redução da jornada”. Porém, Marques credita todo o sucesso da iniciativa por ser espontânea e natural, satisfazendo o interesse de todos os envolvidos. “Se esperasse virar lei, não teria o retorno tão positivo, os funcionários continuariam no mesmo passo, sem pensar na produtividade. Por isso, afirmo que a lei às vezes atrapalha”.
O que é a PEC
A Proposta de Emenda à Constituição – PEC – 231/95 prevê a redução da carga horária máxima semanal de 44 para 40 horas e aumenta o valor da hora extra de 50% do valor normal para 75%. A proposta mantém as demais regras contidas na Constituição, como jornada diária máxima de oito horas e possibilidade de compensação de horários e de redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva. Segundo estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho – OIT –, em todo o mundo, cerca de 22% da força de trabalho, ou 614,2 milhões de empregados, trabalham mais de 48 horas semanais. No Brasil, a média é de 40,8 horas por semana.
Prós e contras
Num lado da corda estão os sindicatos e funcionários e do outro, empresários e associações de classe. Quem ganhará o cabo de guerra? A disputa só não está empatada porque é ano eleitoral, dando vantagem aos trabalhadores. Pelo menos essa é a percepção do meio empresarial, que reforça a necessidade de postergar o assunto para pensar de cabeça fria. A Mercado Brasil entrevistou o presidente da Associação Empresarial de Jaraguá do Sul, Durval Marcatto Jr., que também é presidente da Câmara de Relações Trabalhistas da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina – Fiesc – e representa o Estado neste assunto na mesa de debate do Congresso Nacional. Outra entrevista foi realizada com Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores – UGT –, uma das entidades que lidera a luta em favor da redução. Veja o paralelo entre os dois e entenda a complexidade em diminuir a jornada:
1 - Geração de Empregos
DMJ – Postos de trabalho são criados pelo crescimento da economia, com políticas de desenvolvimento e estabelecimento de ambiente favorável aos negócios. A redução trará dificuldades maiores de adaptação, principalmente para alguns setores que utilizam mão de obra de forma mais intensiva, como agricultura, construção civil e comércio, onerando e talvez até inviabilizando alguns processos.
RP – De 1988 para cá houve uma revolução tecnológica que trouxe benefícios, como saúde e longevidade, e também gerou o ônus do desemprego. O homem foi trocado pelo robô. A redução viria trazer novos postos que, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos – Diesse – ultrapassariam os dois milhões de novos trabalhadores. Numa jornada menor, mais homens teriam que ser contratados para operar máquinas.
2 - Impacto
DMJ – A busca por maior produtividade e automação dos processos levará ao aumento dos custos, já que o empresário não consegue bancar sozinho com o prejuízo. Em contrapartida o investimento em máquinas trará menor incidência de mão de obra.
RP – Também não descarta a inflação, mas diz que ela será controlada. A ideia é reduzir às quatro horas de forma gradativa, uma a cada ano. Por isso, a sociedade logo absorverá a elevação nos preços.
3 - Competitividade nas empresas
DMJ – Na medida em que gera aumento de custo, o produto ou o serviço perde competitividade frente à concorrência que não tem esta oneração, criando um diferencial mercadológico importante. Ponto desfavorável para as empresas nacionais porque também afeta negativamente o mercado de trabalho.
RP – O custo para as empresas será pequeno e homeopático. A classe empresarial está agitada porque sempre quer ganhar algo quando se fala em reforma. O que num primeiro momento consideram custo, logo enxergarão como investimento, porque a qualidade de vida dos funcionários compensará o prejuízo.
4 - Momento propício
DMJ – Movimentos sociais são usados como estratégias levadas pelo populismo e assistencialismo, e a proposta tem objetivos eleitoreiros. Num congresso extremamente voltado para garantir a reeleição, somado à proximidade da votação, desfavorece a análise com a devida cautela.
RP – Se for colocada em votação, nenhum deputado será contra a proposta. Por ser ano eleitoral, eles ficam mais sensíveis e não querem ver seus nomes no poste dizendo que é contra a redução de jornada – e essa é carta na manga da UGT. A expectativa é que neste semestre a PEC seja posta em prática.
5 - Como deveria ser
DMJ – Diferente de ser imposta linearmente por lei indistinta, a redução de jornada deve ser negociada, respeitando as realidades regionais e setoriais. Isso deve acontecer entre empresas e sindicatos.
RP – A luta é histórica e a melhor maneira de garantir o benefício é por meio da união. Em 1988, quando conquistaram a redução de 48 para 44 horas, a intenção já era ter garantindo as quarenta horas semanais.
Escrito por Luciana de Aguiar
Revista Mercado Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário